quinta-feira, 14 de junho de 2007

Enkuentro com Marco Lucchesi

Marco Luchesi es um fenômeno inclassificábel en el âmbito de la literatura brasileira contemporânea. Interlocutor de Drummond, José Paulo Paes, Nise da Silveira, José Castello, entre muitos outros, viajante incansável, fino poeta, fino tradutor, fino crítico, fino ensaísta, fino pensador, mas sobretudo fino poeta, velho-menino-sábio-derviche, mismo cuando escreve ensaio, ou cuando traduz, ou cuando en una conferência sobre Poesia y Conocimiento nos encanta con el húmus de sua erudición. Nascido en Rio de Janeiro [1963], hijo de italianos residentes en Brasil, Marco Lucchesi publicou Bizâncio [(Ed. Record, 1997] y Poesie [poemas em italiano, Grilli Editore, 1999], que mereceu 2 prêmios en Itália. La poesia de Marco Lucchesi es un “Bellissimi intinerari terreni e celesti in una magnifica lingua, tutta luce e musica”, conforme anota Jean-Michel Gardain. Mas também palavra que non escamoteia vida nim morte nim la bertigem del desierto y abismos estrellados de la solidom humana intransferíbel. En Bizâncio, Lucchesi publica um conjunto de textos de poetas russos de diversas épocas traducidos por ele, assumindo assim la tradución como experiência de liberdade y lenguaje. Traduziu A Ilha do Dia Anterior, de Umberto Eco; a Scienza Nuova, de Vico; textos de San Juan de la Cruz, Rilke, Trakl, Leopardi, entre outros. Ha publicado una hermosa traducione de textos del persa Rûmî, A Sombra do Amado, poeta que vivió durante el siglo XII y es considerado tan importante cuanto Dante ou Shakespeare. Marco Lucchesi es professor de literatura italiana en la UFRJ y ha publicado também libros de ensayo: Saudades do paraíso, O sorriso do caos, Teatro alquímico são alguns deles. Leia a seguir una conbersa sin data di bencimento com Marco Lucchesi y 2 poemas de Alma Vênus. (DD)


Douglas Diegues - Marco, você me parece um poeta em trânsito entre várias culturas, um perseguidor incessante do outro e de você mesmo, um poeta de uma curiosidade infinita, artista da palavra, um fino crítico e tradutor de poetas como Khliébnikov e mais recentemente Rûmî, entre outros... Poderíamos começar falando de você?... Nasceu no Brasil... Como foi sua infância, formação literária, primeiras leituras, etc?
Marco Lucchesi -
Sou filho de pais italianos, da Toscana. Nasci no Rio, tenho alma carioca e florentina. Amo profundamente o Brasil. Amo todas as partes do nosso drama. Todas. Que nenhuma fique de fora! Os ruídos que intempestivamente atravessam nossa cultura e nosso país. Sempre busquei a literatura. Foi uma tentativa de compreender o incompreensível, de traduzir o intraduzível, de afirmar o inafirmável. Constituiu-se, desde cedo para mim, esse jogo de impossíveis, de que a literatura era capaz de tornar mais forte com seu clarão. Minha infância foi marcada por uma intensa poesia existencial. Mudei-me para Niterói, aos 8 anos. Vivi coisas muito próximas de Os meninos da rua Paulo, tradução de Paulo Rónai, com quem compartilhei tal sentimento. O infinito. O espaço. Minha infância. Meu conflito. E Dostoiévski, em lágrimas. E Machado. E Júlio Verne. A historia de Monteiro Lobato. E as aventuras de Tim-tim a insistir com suas maravilhosas geografias. Sentimento das coisas que passam. Que me habitam. Francisco de Assis, e sua coragem. O rochedo Dante Alighieri, com a Divina Comédia e a poesia, meu Deus!, a poesia. Tanta poesia, até a descoberta reveladora de que a poesia podia ser vivida num ritual como o de Penteu, devorado pelas Bacantes. Aí, então, o renascimento. Meu Deus, minha infância!

DD - Ungaretti dizia que todo poeta resolve seu problema propondo-nos uma poética... Poderíamos falar da tua poética... O que é a poesia para você?...
ML -
O homem moderno, como nos diz Nietzsche, não precisa criar senão uma genealogia, pois já existia — homem moderno — em Platão, nas páginas de Montaigne, no drama de Shakespeare, nos romances de Dostoiévski. A poesia deve, talvez, refletir essa cartografia do sentimento e do diálogo com as formas do infinito. Não apenas o passado, nem tampouco a arrogância do presente. Poesia como ainda-não. Trâmite explosivo, latente. O Sorriso de Mona Lisa. A Juventude, de Eliseu Visconti. Coisas na iminência de acontecer: possibilidades abertas, como a do Messias, tão esperado pelos judeus, e que a qualquer instante pode voltar pela janela do tempo. A poesia e a revolução coincidem.

DD - A vertigem dos abismos e dos desertos, o silêncio de Deus, o esplendor das luzes e das formas matemáticas, a solidão intransferível, a beleza e o mistério, o amor marinista e os poetas russos, temas de Bizâncio, seu livro de poemas, configuram uma mitologia pessoal... Fale-nos um pouco de Bizâncio...
ML - É longa minha mitologia, meus altares, minha atração pelos desertos, Deus, o silêncio de Deus. O problema de Deus, a sombra de Deus. O Oriente. O Oriente Próximo, intensamente próximo de mim, e o Brasil barroco. Bizâncio talvez tenha sido uma das formas secretas de conjugar a pluralidade que me encerra. Foi o livro que me converteu. Um livro que me trouxe de volta para mim. O regresso plotiniano à pátria perdida. Todos buscam seus portos nos mares do ser. Bizâncio foi a volta ao porto. A travessia desses mares, metaforizados no Mar Negro e no Mar Cáspio, nos Mediterrâneos muitos: o mediterrâneo das cidades orientais e o mediterrâneo da Baía de Guanabara. Nesses mediterrâneos e nessa poesia eu terei encontrado o meu rosto. Depois veio Poesie, em italiano (poucos poemas em árabe, duas vezes premiado, na Itália), cujas portas foram abertas a partir de Bizancio.

DD - Num mundo como o nosso, de consumismo desenfreado, de sucesso a qualquer preço, de submissão e desespero, de mercancia alucinada e economia fracassada, qual seria a função da poesia?
ML -
A função da poesia me parece aquela de ser contracorrente. Resistência. Permanência. Donde minha paixão pela poesia e pela cultura popular, esteja onde estiver: no interior da Bahia, em Canudos ou Jeremoabo, em Catolé do Rocha (na Paraíba), ou em Guarapuava (interior do Paraná) Essas geografias me pertencem de modo profundo e nelas tenho encontrado uma poética de enfrentamento. Uma poética do tempo e do espaço. A poesia não servindo, necessariamente, para nada acaba por tornar-se tudo. Nas labaredas de Clarice Lispector. Na alquimia da palavra via João Cabral. Esta é a minha pátria. Meu país. A pátria do não, mas, ao mesmo tempo, a pátria do sim. A poesia, como fogo.

DD - Seu livro de poemas Alma Vênus será publicado em breve... Poderia falar um pouco desse novo trabalho...?
ML -
Como definir aquilo que procuro, de todas as maneiras, deixar indefinido? Minha própria vida, a busca das coisas que me buscam, o movimento das ondas, o conhecimento da perplexidade com que se debate hoje a física quântica não mais assombrada pelo demônio de Laplace. Mas vamos aos fatos. Alma Vênus busca uma compreensão de uma natureza dividida entre indiferença e compaixão. São essas duas forças que completaram, aliás, o quadro da oposição Teilhard de Chardin e Jacques Monod. Sentimento da solidão e da natureza, de Deus e da existência, de que resulta o feminino, não necessariamente utópico e positivo, mas distópico e negativo, a natureza, mãe e madrasta, a natureza e suas ilusões, a permanência da vida e o abismo das coisas, de nossos desamores e de outras arqueologias, de cuja terra, esquecida, emergimos. É um livro de adesão e sentimento. Habitam-no poucos sonetos, formas amplas e o sentido musical que organiza minha expressão, Alma Vênus. Livro onde moro.

DD - O que é um bom poema para você, quais suas características? ... E um mau poema, o que seria?
ML -
Recordo-me de Mário Quintana, quando afirmara que um bom poema não é o que lemos, mas aquele que nos lê. Difícil também não evocar Bandeira em Itinerário de Pasárgada, quando nos diz que o mau poema nos ensina muitas vezes mais do que uma acabada obra-prima. Por isso mesmo, a questão guarda não poucas dificuldades. De todo modo, em meu jardim poético, posso determinar as coisas que mais repercutem dentro de mim e aquelas que chegam pálidas, de modo que, à maneira de Leibniz, tudo é bom desde que saibamos as diferenças poéticas, manter o espanto e a admiração sem as quais não se pode viver estados de poesia.

DD - O que a palavra significa para você? Como é sua relação com as palavras?
ML -
E penso em Manuel de Barros, em suas lesmas. E penso em Drummond, em seu dicionário. E penso em Cabral, com suas lâminas. As rimas pedrosas de Dante. Tenho amor e ódio à palavra. A palavra me consome enquanto a pronuncio. A palavra me oferece alturas, me promete vertigens. Não sei viver senão da palavra, que liberta e aprisiona o que tenho buscado. E, ao buscar, me perco, pois a palavra é mediação. Um princípio de unidade, uma centelha de luzes, que me permitem compreender algo do abismo. Meu Deus, já não poderia viver sem a palavra! A palavra sagrada. A palavra maldita. Minhas vísceras e meu coração. Minhas tentativas de poemas. Minha obstinação. “Palavras, palavras, que potência a vossa!”, dizia Cecília no Romanceiro.

DD - Uma de suas paixões parece ser a poesia e a língua árabe... Em Poesie você nos surpreende com alguns poemas escritos em árabe com tradução ao italiano (!) Poderia falar um pouco dessa poesia e dessa língua?
ML. - O oriente sempre exerceu sobre mim um fascínio tirânico. As solidões, as línguas e o deserto. Algo dessa atração está no livro Os olhos do deserto, onde me volto de modo exclusivo ao Levante. Também acaba de sair A Sombra do Amado, poemas de Rûmî. Começo, essencialmente, pelo árabe e, em segundo plano, mas não com
menor esforço, pelo turco e pelo persa. São línguas cujas formas sintáticas e semânticas distam enormemente. É bem verdade que a existência de um fundo islâmico tende a aproximá-las a partir do árabe, tesouro de palavras, conceitos e imagens. Chego a perder o sono para fixar não poucas diferenças dessas línguas e a partir delas conseguir dois pontos que me parecem essenciais: primeiramente o estar junto das expressões populares e a descoberta da notável poesia médio-oriental. O árabe é cortante como uma espada. Lâmina afiada, que se organiza por aspectos de altíssima condensação. Como diz o Alcorão: Deus está mais próximo que a veia jugular. E com essa expressão define-se a força e a intensidade da poesia dessas línguas.


INTELECTUAL EXEMPLAR
Por JOSÉ CASTELLO



Marco Lucchesi é, num mundo em que o saber se fragmentou, se especiliazou, perdeu a noção do todo, um dos raros intelectuais completos que temos hoje no país - ou ao menos que aspiram à completude, mesmo sabendo que ela é impossível. Poeta, Lucchesi escreve uma poesia conectada não só ao mundo, mas às grandes questões que o permeiam, desde as perguntas milenares, que vêm marcadas pelo espanto, até as dúvidas contemporâneas, com os quais tenta pensar a grande confusão do mundo de hoje. Tradutor, Luchesi não se cansa de se debruçar sobre novas línguas (agora mesmo, para fazer uma tradução dos poemas de Rûmî, o poeta persa do século 13, dedicou-se a estudar línguas quase perdidas com a obstinação de um menino). Não é, contudo, um desses tradutores que se dedicam aos jogos de palavras, às adaptações arbitrárias e lincenciosas, ao contrário, está sempre obstinado em reencontrar o espírito dos poetas antigos com que se defronta. Lucchesi é também um filósofo, na acepção mais ampla do termo - um homem que pensa sem preconceitos, que exercita o pensamento, que não teme as idéias, um exemplar raro de livre pensador. Além do mais, é um viajante compulsivo, não desses turistas só interessados no sucesso e no consumo, mas um peregrino dos desertos, das regiões remotas, das cidades inacessíveis. Viajante, ele está tão grudado ao mundo quanto aos livros - o que é bom para os dois. Marco Lucchesi não separa o pensamento da experiência, nem o saber da sensação. Por isso converteu-se, apesar da pouca idade, num intelectual exemplar.



2 POEMAS DE MARCO LUCCHESI


Alef

virá
de algum lugar
perdido

virá
de um fosco
desabrigo

de frios
roseirais

de medos
ancestrais

virá
no assombro
do poema

virá
na forma
de uma anêmona

da funda
superfície

dos olhos
do deserto

virá

das níveas
afluências

no sal
das confluências

virá

de um verbo
reticente

de um novo
continente

das árvores
ilhadas

virá

das frias
enseadas

na língua
da serpente

(esparsos
temporais

perdidos
amanhãs)

virá

e logo
não seremos
o que somos

que o sol
de tanta espera
nos consome


Bet

tem rosto
a palavra

e
o luar

e
o sentido

como sol
atrás
das nuvens

como
peixe
dentro d’ água...

Somente
em Deus

repousam
muitos rostos

como se fora
a rosa
de uma rosa

a se esconder
na rosa
de uma rosa

e assim
ad infinitum


que o nada

só tem rosto

de escamas e de espinhos


De Alma Vênus [Editora Record]

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